Fux vota para anular processo contra Bolsonaro e demais réus por suposto golpe

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu anular a ação penal que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados sobre a suposta tentativa de golpe de Estado ocorrida após as eleições de 2022. Segundo Fux, o STF não possui competência para avaliar o caso, uma vez que nenhum dos réus tem foro privilegiado. Ele complementou que a Primeira Turma não deveria estar encarregada de julgar um ex-presidente e que houve cerceamento da defesa, isto devido à considerável quantidade de provas apresentadas pela Polícia Federal, que não permitiram que os advogados tivessem tempo adequado para análise.

Fux está lendo seu voto nesta quarta-feira (10) durante a sexta sessão do julgamento, que é conhecido como “núcleo 1” ou “crucial”. A análise da ação penal teve início na terça-feira (9) com os votos do relator Alexandre de Moraes e de Flávio Dino, que se posicionaram pela condenação.

O ministro já havia comentado anteriormente que iria divergir de Moraes em algumas questões nas chamadas “preliminares”, que incluem a competência do STF em avaliar Bolsonaro. Essa dúvida também foi levantada durante o recebimento da denúncia em março, quando Fux foi o único a votar contra os outros integrantes da Primeira Turma.

“Com as vênias de suas excelências e o dedicado relator, meu voto reafirma a jurisprudência desta Corte, e concluo que a incompetência absoluta para o julgamento deste processo decorre do fato de que os denunciados já não ocupavam mais seus cargos. […] Portanto, é necessária a declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados”, declarou Fux.

Ele lembrou que, desde o início das investigações, a jurisprudência do STF era bastante clara. O entendimento expressava que “quando o cargo é cessado, antes do término da instrução, a prerrogativa de foro deixa de existir”. Contudo, ele observou que a mudança do entendimento em março deste ano impactou o desenrolar desta ação penal.

“O STF alterou a competência após a data dos crimes bem destacados pela PGR”, afirmou Fux, dirigindo-se ao procurador Paulo Gonet, que está presente durante o julgamento.

Além de Bolsonaro, os outros réus incluem o tenente-coronel Mauro Cid, que delatou o suposto plano de golpe; o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.

Julgamento no Plenário

Fux criticou a Primeira Turma, alegando que “ao rebaixar a competência originária do Plenário para uma de suas Turmas, estaríamos silenciando as vozes dos ministros que poderiam expressar suas opiniões sobre este caso”.

“Os réus não têm prerrogativa de foro, pois não estão no exercício de funções previstas na Constituição. Se estão sendo processados, a competência pertence ao plenário do STF, logo, a ação deve ser deslocada para o colegiado maior da Corte”, enfatizou.

Com isso, além das questões de competência do STF em relação ao foro privilegiado, Fux aceitou os argumentos das defesas e declarou a “nulidade de todos os atos praticados por este Supremo”.

Durante sua justificativa, ele criticou ainda Moraes, frisando que é essencial que o juiz mantenha um distanciamento adequado durante a ação penal, a fim de garantir a imparcialidade.

Fux também acolheu uma preliminar da defesa que se referia ao chamado “tsunami de dados”, mencionando o curto prazo disponível para a análise de uma quantidade volumosa de informações apresentadas pela Polícia Federal. Ele destacou que foram mais de 70 terabytes de dados, o que representa uma enorme quantidade de informações a serem processadas.

“Em virtude da disponibilização tardia dessas informações, sem uma identificação prévia, acolho a preliminar que denuncia a violação do contraditório e da ampla defesa, reconhecendo um cerceamento, e, portanto, declaro a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia”, esclareceu o ministro.

Fux mencionou que, na Justiça Federal, já ocorreram absolvições sumárias por cerceamento da defesa devido ao desconhecimento de todas as provas.

Colaboração de Cid

Outro assunto debatido foi a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, que a defesa alegou ter sido obtida sob pressão. Fux, por sua vez, considerou que as variações nos depoimentos de Cid poderiam refletir uma tentativa de autoproteção.

Após análise, ele decidiu manter a validade da delação, e na fase da dosimetria, verificará quais benefícios poderão ser mantidos e quais penas poderão ser aplicadas.

“O réu colaborou com as delações sempre na presença de um advogado, e com as orientações necessárias. A colaboração resultou em autoincriminação, pois ele acabou confessando”, afirmou o ministro.

Crimes imputados pela PGR

No decorrer de sua fundamentação, Fux examinou alguns dos crimes aos quais a PGR atribuiu aos réus. As acusações incluem: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, participação em uma organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Fux questionou a caracterização da organização criminosa, alegando que os requisitos do Código Penal não foram atendidos. “A denúncia não demonstra que os réus atuariam de forma estável e permanente, como o tipo penal exige”, observou.

Ele também se debruçou sobre a acusação de uso de armas, ressaltando que para uma condenação, deve ser comprovada a utilização efetiva de armas durante os crimes. “Não basta afirmar que alguns réus possuíam porte de arma; é essencial que haja provas do seu uso em atos delituosos”, concluiu.

Fux ainda rejeitou a alegação da PGR de que os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) participaram dos acampamentos em frente aos quartéis do Exército, destacando que não existem provas nos autos que justifiquem essa tipificação.

O ministro também contestou a imputação de danos ao patrimônio tombado, afirmando que não existem provas de que os réus deveriam agir para conter os danos ocorridos durante os atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2023.

“Não ficou demonstrado que os réus tinham o dever de impedir os atos de vandalismo em 8 de janeiro. […] As provas não indicam que tenham dado ordens para destruir ou se omitido”, observou.

Fux, no que diz respeito ao deputado Alexandre Ramagem, aceitou parcialmente os crimes, baseando-se na resolução da Câmara que proíbe a imputação de fatos ocorridos após a diplomação, removendo assim algumas acusações contra ele.

O voto de Fux deve ser apresentado até o final da manhã, após a exposição de seus argumentos. Se houver condenação, a Primeira Turma precisará formar maioria para a decisão, com três dos cinco magistrados concordando. Além de Fux, os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que preside o colegiado, ainda são esperados nas sessões agendadas para quinta-feira (11) e sexta-feira (12), sendo que na última sessão, a intenção é estabelecer a dosimetria das penas.

Na última terça-feira (9), Moraes decidiu pela condenação de Bolsonaro e dos outros réus, categorizando o ex-presidente como líder de uma “organização criminosa”. Flávio Dino endossou essa posição, defendendo penas mais severas tanto para Bolsonaro quanto para Walter Braga Netto. Durante a sessão, Dino reafirmou que pressões externas não influenciarão o julgamento.

“Argumentos pessoais, ameaças ou coações de governos estrangeiros não devem impactar a decisão judicial. Cada juiz deve ter a capacidade de afastar influências externas ao desempenhar seu trabalho”, enfatizou.


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