Era quase duas da tarde na terça-feira (28/10) quando a contagem de mortos na Operação Contenção, realizada pelas polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro, subiu drasticamente, passando de 24 para 64.
Após essa atualização, surgiram relatos de novos tiroteios e bloqueios nas ruas — a Tijuca estava caótica, com ônibus obstruindo a Rua do Riachuelo, no centro da cidade.
O pânico se espalhou da zona norte, onde os complexos da Penha e do Alemão foram os principais focos da operação, e se alastrou por toda a cidade. Lojas fecharam as portas mais cedo, o metrô ficou abarrotado de passageiros, e nos pontos de ônibus, as pessoas se desejavam sorte na volta para casa.
Essa operação é considerada a mais violenta da história do Rio de Janeiro, com a intenção de cumprir cem mandados de prisão e deter o avanço do Comando Vermelho, a organização criminosa mais antiga do estado.
Até o momento, a polícia civil contabiliza 121 mortes, incluindo quatro policiais, além da apreensão de mais de 100 fuzis e a prisão de 81 pessoas. Para essa ação, foram mobilizados 2,5 mil agentes de segurança pública.
Organizações de direitos humanos chamam a operação de chacina e questionam sua efetividade como política de segurança. O alto número de vítimas também foi criticado pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, que se disse “horrorizado” com os eventos nas favelas.
Atualmente, a facção tem mostrado um crescimento em sua influência. De acordo com o Mapa dos Grupos Armados, em colaboração com o Instituto Fogo Cruzado e a UFF, o Comando Vermelho foi a única organização criminosa a expandir seu território, enquanto as demais perderam controle.
Entre 2022 e 2023, a facção aumentou em 8,4% as áreas sob seu domínio, recuperando a liderança que havia perdido para as milícias anteriormente, passando a controlar 51,9% das regiões dominadas por grupos armados na Região Metropolitana do Rio.
A trajetória do Comando Vermelho remonta a quase 50 anos, atravessando uma ditadura militar. O grupo se formou através da convivência de presos políticos e criminosos comuns no Instituto Penal Cândido Mendes, localizado em Ilha Grande, a mais de 100 quilômetros da capital.
Naquela época, muitos detentos, principalmente aqueles encarcerados por assaltos a bancos, não conheciam seus direitos. Esse conhecimento foi transmitido a eles por presos políticos, em sua maioria provenientes de famílias de classe média, que começaram a mediar negociações para melhores condições.
“O Comando Vermelho nasce nos presídios, no coração do Estado. A convivência com os detidos pela Lei de Segurança Nacional levou a que inicialmente fosse denominado Falange da Segurança Nacional, eventualmente se transformando na Falange Vermelha. Com o tempo, a imprensa passou a chamá-los de Comando Vermelho (CV)”, explica a socióloga Carolina Grillo, da UFF.
“Não podemos dizer que somente os presos políticos de esquerda organizaram. A maioria tinha um ponto comum: o assalto a bancos, considerando esses crimes uma ameaça à segurança nacional, já que grupos de resistência à ditadura utilizavam esses assaltos para financiar a luta política. Isso conferiu aos criminosos comuns uma condição especial na legislação, levando-os a serem enviados para Ilha Grande juntamente com os políticos”, complementa Jacqueline Muniz, do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos.
William da Silva Lima, conhecido como o Professor, um dos fundadores do grupo, escreve em 400 x 1 – uma história do Comando Vermelho que a formação da facção tinha como objetivo organizar o sistema prisional e estabelecer normas para a convivência.
Após a Lei da Anistia ser promulgada em 1979, os presos políticos foram libertados, mas os demais continuaram atrás das grades. A luta por justiça social dentro do sistema penal perdeu força sem a presença de seus antigos aliados de cela.
Os membros da Falange Vermelha então se reestruturaram de outras maneiras. Em 1980, um grande número de detentos conseguiu escapar, causando pânico entre os banqueiros. Com o dinheiro proveniente dos assaltos, o Comando Vermelho investiu em um novo negócio: a venda de cocaína.
“Durante a década de 1980, a Colômbia começou a emergir como uma importante produtora de cocaína, transformando as rotas internacionais do tráfico. O Brasil se tornou um ponto estratégico na rota para a Europa, como ainda é atualmente”, afirma Grillo.
Com o comércio de drogas crescendo, os membros do CV tiveram que proteger seus produtos das ações de outras facções.
“A polícia não é uma opção quando se trata de reportar um roubo no tráfico, pois a posse de drogas requer armamento para garantir acordos e segurança em sua economia ilícita”, diz Muniz.
Disputas territoriais, rivalidades e dissidências se tornaram comuns. Isso resultou na lucratividade para mercadores de armas e policiais que também passaram a fornecer armas para os traficantes. Essa situação aumentou a demanda por policiais que se armavam mais fortemente diante de um tráfico intensamente armado”, complementa Grillo.
Nos anos 1990, a violência no Rio de Janeiro atingiu níveis alarmantes. Em 1994, a taxa de homicídios alcançou 64,8 por 100 mil habitantes, enquanto hoje é de 24,3 mortes por estado.
Ao tentar desmantelar o Comando Vermelho, o governo transferiu seus líderes para diferentes penitenciárias, mas isso gerou o efeito inverso: o CV disseminou seus valores entre outros prisioneiros, consolidando-se ainda mais como a principal organização criminosa do Rio de Janeiro.
Expansão em Tempos Modernos
Após esse período, o Comando Vermelho rompeu as barreiras do estado do Rio.
“O Comando Vermelho opera como um sistema de franquias. Cada um controla suas respectivas áreas. Essa estrutura permitiu uma expansão em nível nacional. A ideologia da facção facilitou a construção de parcerias entre líderes de diferentes estados”, explica o jornalista Rafael Soares, autor do livro Milicianos: Como agentes formados para combater o crime passaram a matar a serviço dele.
Segundo Soares, nos últimos seis anos, o Comando Vermelho conseguiu se estabelecer em 25 estados; antes, sua presença era limitada a apenas 10 estados.
“Uma das ações mais polêmicas do governo federal para tentar desmantelar o PCC e o CV foi transferir seus líderes para penitenciárias federais em outros estados”, critica Grillo.
A expansão do Comando Vermelho demandou novos investimentos. O tráfico de drogas continua a ser central em suas operações, especialmente nas áreas de fronteira, como a Amazônia, onde o CV e o PCC ampliam suas rotas.
Entretanto, o lucro não depende apenas das drogas. De acordo com um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, o crime organizado movimentou cerca de R$ 146,8 bilhões em mercados ilegais, incluindo ouro, combustíveis, bebidas e tabaco.
O abastecimento de armas também passou por mudanças. Anteriormente, os traficantes adquiriram armamentos por meio de contrabando do Paraguai ou desvios das forças de segurança. Agora, existem métodos para fabricar suas próprias armas e fábricas ilegais que produzem em larga escala.
“As fabricas têm equipamentos modernos, com máquinas que custam até meio milhão de reais. Estão sendo utilizadas impressoras 3D para produzir peças metálicas, permitindo uma produção em massa”, afirma Bruno Langeani, consultor sênior do Instituto Sou da Paz.
Recentemente, a Polícia Federal descobriu uma fábrica clandestina de armas em Rio das Pedras, onde foram apreendidas quatro impressoras 3D.
Na última operação, o Comando Vermelho mostrou sua força ao utilizar drones para lançar explosivos durante os confrontos.
Outro fator destacado por Langeani é a facilidade para obter peças para a montagem de armas. As políticas de alívio nas regras de controle de armamentos durante o governo de Jair Bolsonaro resultaram em uma explosão de indústrias nesse setor.
“Houve um estímulo econômico para fabricantes de partes de armas. Antes, esses componentes eram vendidos quase exclusivamente para a polícia e as Forças Armadas. Com a mudança, muitas pessoas comuns passaram a comprar fuzis. Agora, civis querem personalizar suas armas”, diz.
As operações policiais, muitas vezes excessivamente custosas e brutais, não têm atingido os resultados esperados. Enquanto o Comando Vermelho avança em domínio sobre territórios do Rio, são nessas regiões que as operações policiais ocorrem com mais frequência, gerando um aumento nos confrontos.
Conforme revelado pelo Mapa dos Grupos Armados, a probabilidade de ocorrência de confrontos em áreas de tráfico é 3,71 vezes maior do que em regiões dominadas por milícias. Em cerca de 60% desses locais, há participação policial.
“Não consigo notar uma atuação efetiva do governo para desmantelar nem as milícias, nem o tráfico. Não se observa a reversão de áreas que um dia foram ocupadas retornando ao controle do Estado. O que temos presenciado é um avanço no domínio ou conflitos entre grupos, mas o governo não fornece resultados positivos, levando a um quadro que apenas se deteriora”, conclui Terine Husek, gerente de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado.