Reflexões de um professor ao final de 2025

Por Valter Mattos da Costa*

Chegou o fim do ano letivo, o tempo de se fazer retrospectivas. Contudo, na realidade da docência brasileira, essas memórias não se aproximam das composições emocionantes repletas de trilhas sonoras e imagens nostálgicas.

A verdadeira Retrospectiva docente resume-se em planilhas, atas, relatórios, plataformas que não funcionam e uma montanha de pendências com prazos impossíveis de atender.

Neste encerramento de ano, os professores enfrentam uma pressão imensa para aprovar alunos em massa, sem levar em conta o desempenho acadêmico real. Aprovar tornou-se uma questão administrativa; reprovar se transformou quase em um pecado moral.

É essencial visualizar o aluno como um ser humano e social que vai além dos muros da escola. A retenção não deve ser uma forma de vingança institucional; ela é, na verdade, um critério velado de sadismo. A progressão, mesmo com algumas dependências, pode ser um elemento de um contínuo processo de ensino-aprendizagem.

Pessoalmente, quase nunca reprovo alunos. No entanto, há uma clara distinção entre a progressão pedagógica legítima e a aprovação fabricada para que o governo possa exibir bons números no IDEB.

Quando o destino escolar de um aluno se transforma em uma peça publicitária que visa à “melhoria de desempenho”, o debate educacional cede lugar a discussões superficiais. Ao invés de perguntar “o que o aluno realmente aprendeu?”, a questão se altera para “o que o sistema precisa mostrar?”. O professor, que deveria ser o artífice do aprendizado, se transforma em um simples operador de resultados.

Com o final do ano, os docentes não olham para suas conquistas, mas sim para a quantidade de comprimidos que tomaram ao longo do período — uma reflexão alarmante sobre a saúde mental na profissão.

Um levantamento recente da Agência Brasil, publicado em dezembro de 2025, indica um crescimento alarmante no número de afastamentos por questões de saúde mental. Ao analisarmos essa realidade, não há poesia, apenas uma série de códigos e laudos médicos.

Um estudo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, também divulgado em dezembro de 2025, revelou que os professores afastados devido a causas ocupacionais enfrentam elevados índices de ansiedade e estresse, o que aponta para um quadro de adoecimento que já se tornou estrutural, e não mais pontual.

A sala de aula se transformou em um espaço de resistência emocional. Ensinar demanda desejo — e desejo não é apenas motivação; é a força interna que sustenta o professor em um mundo que exige demais e retribui pouco.

Entretanto, em 2025, esse desejo foi drenado e reprocessado como culpa.

Quando uma turma se descontrola, quando surgem conflitos ou o aprendizado não acontece, a culpa frequentemente recai sobre o professor. “Faltou manejo”, “faltou jogo de cintura”, “faltou preparo emocional” — são algumas das justificativas; na prática, o sistema falha, mas quem arca com as consequências é sempre o educador.

E surge nesse contexto o humor involuntário, aquele que nos faz rir para não explodir de frustração. Em janeiro, o governo anunciou um aumento no piso salarial do magistério de apenas 6,27%, com o novo valor fixado em R$ 4.867,77 para uma jornada de 40 horas. Nesse momento, parece que o país finge ter resolvido a valorização do docente.

Enquanto uma parte do Brasil celebra esse aumento como um grande avanço, outra parte descobre que esse piso é uma espécie de ilusão: ele existe no papel, mas não chega na prática ao bolso do professor. E quando isso não ocorre, é encarado não como uma violação, mas sim como “dificuldades fiscais”, uma série de justificativas que tentam amenizar a situação. Essa miséria semântica possui um tom peculiar: altera-se o nome do problema e todos agem como se nada tivesse acontecido.

Enquanto isso, as condições de trabalho permanecem — ou se agravam. A escola pública vive um paradoxo cômico; exige-se inovação e eficiência ao mesmo tempo em que se oferece salas superlotadas, estruturas precárias, falta de profissionais e um controle burocrático crescente. O professor trabalha sob a pressão de múltiplos olhares: do sistema, da família, das redes sociais, sempre exposto a câmeras que filmam e algoritmos que avaliam. Ensinar torna-se um ato realizado em um campo minado, onde qualquer palavra pode ser distorcida em uma denúncia.

Valorização do professor

O ano de 2025 trouxe dados alarmantes sobre violência e censura. Uma pesquisa do Observatório Nacional da Violência contra Educadores (UFF) revelou que nove em cada dez professores já vivenciaram ou presenciaram episódios de violência e censura enquanto desempenhavam suas funções.

Esse dado é tão impactante que parece uma piada de mau gosto — mas é a realidade estatística. A escola, que deveria ser um local de reflexão, transforma-se, em muitas regiões, em um espaço de atenção com as palavras, não por um refinamento intelectual, mas por medo.

Falar sobre o medo não é uma metáfora; a violência escolar não se limita a “brigas de alunos”, mas representa um ambiente social repleto de desigualdade e conflitos. Em abril de 2025, a CNN Brasil noticiou que a violência nas escolas resultou em pelo menos 47 mortes desde 2001, e dados do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania mostraram que as vítimas de violência interpessoal nas escolas aumentaram de 3.700 (2013) para 13.100 (2023).

Esse crescimento não é uma percepção, mas uma realidade crescente. Quando o país discute a violência escolar como uma questão de estado, isso não se deve a um mero interesse acadêmico.

O próprio Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania registrou que o Disque 100 recebeu mais de 1.200 denúncias de agressões a professores em 2023, e a discussão sobre o aumento da violência nas escolas se torna uma pauta institucional. Nesse contexto, o professor torna-se alvo e amortecedor: espera-se que a educação absorva as tensões sociais e promova uma “cultura de paz” apenas com giz e boa vontade.

Entretanto, 2025 também trouxe cenas de brutal clareza. Em outubro, um pai agrediu um professor em uma escola do Distrito Federal, após a repreensão de uma aluna por uso de celular; o caso foi filmado e amplamente comentado pela mídia.

Esse incidente representa a queda da autoridade pedagógica: o professor é visto como o “inimigo conveniente”, a figura que pode ser agredida, como se ninguém fosse responsabilizado pela sua proteção. As escolas se tornam locais de acerto de contas, e o docente é submetido à vulnerabilidade — uma herança que a extrema-direita nos legou com seu discurso anti-intelectualista.

Desse modo, a docência é empurrada para um estado insustentável, onde precisa “garantir a aprendizagem” e, ao mesmo tempo, “não gerar conflitos”; precisa “formar senso crítico” e “evitar a polêmica”; precisa “acolher” e “manter a disciplina”; precisa “incluir” e “não ter recursos”.

O professor se transforma em uma função, não sendo mais um sujeito, mas uma peça que carrega um peso esmagador. E quando a mente sobrecarregada colapsa, a responsabilidade é atribuída a uma fragilidade individual, que é o estado ao qual os professores foram conduzidos em 2025.

A crise de saúde mental entre educadores foi amplamente divulgada ao longo de 2025. A revista Você S/A, por exemplo, destacou em julho que depressão e burnout estão entre as principais causas de afastamento de professores, apontando um levantamento da CNTE baseado em dados do INSS.

Ao usar dados históricos para ilustrar essa tendência, o que se vê em 2025 é a consolidação de uma normalidade adoecida: trabalhar até chegar ao esgotamento, adoecer com a culpa, retornar ao trabalho por necessidade e reiniciar o ciclo.

No final do ano, o amargo sabor da retrospectiva: o professor não apenas enfrenta uma jornada pesada de trabalho e baixos salários; também lida com uma coerção simbólica e um cenário instável.

Relatos e análises sobre a precarização, contratos temporários e punições administrativas surgem em estudos e repercussões de 2025, destacando mecanismos que geram instabilidade psicológica e fragmentam o coletivo docente.

Quando as relações se tornam frágeis, a voz do professor também se fragiliza: ele se cala para se autopreservar. O educador aprende que sobreviver se torna uma forma de disciplina.

O resultado é uma escola que se transforma em um teatro peculiar: de um lado, discursos sobre excelência e inovação, do outro, a dura realidade do medo, da sobrecarga e do adoecimento. O professor, ao final de 2025, fecha um livro que não leu, mas carregou consigo – carregou estatísticas, expectativas, conflitos, cobranças e o mal-estar do mundo. E, quando dezembro chega, ainda se espera que ele exiba um sorriso de “missão cumprida”. Missão cumprida para quem? Talvez para aqueles que oprimem…

A retrospectiva docente para o ano de 2025 é a prova de quanto o país exigiu da educação e ofereceu quase nada em troca. Um piso salarial apresentado como troféu, enquanto a realidade nega a grandeza dessa conquista.

Uma sala de aula transformada em espaço de tensão, onde a violência possui números alarmantes, as denúncias possuem um canal e a censura se estabelece como uma regra. Uma saúde mental deteriorada, com um aumento no número de afastamentos e a prevalência da ansiedade e estresse entre educadores afastados por motivos profissioinais.

E uma pedagogia cada vez mais forçada a se adaptar às métricas e à fachada pública (a Pedagogia da Métrica). Se isso é fim do ano letivo, é também o fim da linha para muitos na docência—não em um sentido trágico, mas social: é o fim da linha da paciência, do desejo e da crença de que é possível sustentar a educação pública com a romantização da vocação.

A tradição da imprensa gosta de retrospectivas, pois elas permitem escolher o que se comemora. Na docência, a retrospectiva de 2025 é o que resta quando se remove a maquiagem do discurso e se revela a essência da realidade.

E assim, seguimos rumo às confraternizações de fim de ano, como se nada tivesse ocorrido…


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